quarta-feira, 30 de março de 2016

Machado de Assis sabia das coisas.

Lendo o conto de Machado de Assis em A Sereníssima República que foi escrito no minimo dois séculos atrás, começo a perceber que nada mudou muito em relação a política no Brasil.

É impressionante e até triste a atualidade de um conto de Machado de Assis sobre política e como isso se reflete tão bem nos dias atuais.

Vou citar alguns trechos que considerei maravilhosos:

"Dentro de um mês tinha comigo vinte aranhas; no mês seguinte cinqüenta e cinco; em março de 1877 contava quatrocentas e noventa.
Duas forças serviram principalmente à empresa de as congregar: - o emprego da língua delas, desde que pude discerni-la um pouco, e o sentimento de terror que lhes infundi.
 A minha estatura, as vestes talares, o uso do mesmo idioma, fizeram-lhes crer que era eu o deus das aranhas, e desde então adoraram-me. E vede o benefício desta ilusão.
Como as acompanhasse com muita atenção e miudeza, lançando em um livro as observações que fazia, cuidaram que o livro era o registro dos seus pecados, e fortaleceram-se ainda mais na prática das virtudes. A flauta também foi um grande auxiliar. Como sabeis, ou deveis saber, elas são doidas por música. Não bastava associá-las; era preciso, dar-lhes um governo idôneo. Hesitei na escolha; muitos dos atuais pareciam-me bons, alguns excelentes, mas todos tinham contra si o existirem. Explico-me. Uma forma vigente de governo ficava exposta a comparações que poderiam amesquinhá-la. Era-me preciso, ou achar uma forma nova, ou restaurar alguma outra abandonada. Naturalmente adotei o segundo alvitre, e nada me pareceu mais acertado do que uma república, à maneira de Veneza, o mesmo molde, e até o mesmo epíteto. Obsoleto, sem nenhuma analogia, em suas feições gerais, com qualquer outro governo vivo, cabia-lhe ainda a vantagem de um mecanismo complicado, - o que era meter à prova as aptidões políticas da jovem sociedade. Outro motivo determinou a minha escolha. Entre os diferentes modos eleitorais da antiga Veneza, figurava o do saco e bolas, iniciação dos filhos da nobreza no serviço do Estado. Metiam-se as bolas com os nomes dos candidatos no saco, e extraía-se anualmente um certo número, ficando os eleitos desde logo aptos para as carreiras públicas. Este sistema fará rir aos doutores do sufrágio; a mim não. Ele exclui os desvarios da paixão, os desazos da inépcia, o congresso da corrupção e da cobiça. Mas não foi só por isso que o aceitei; tratando-se de um povo tão exímio na fiação de suas teias, o uso do saco eleitoral era de fácil adaptação, quase uma planta indígena. A proposta foi aceita. Sereníssima República pareceu-lhes um título magnífico, roçagante, expansivo, próprio a engrandecer a obra popular. Não direi, senhores, que a obra chegou à perfeição, nem que lá chegue tão cedo. Os meus pupilos não são os solários de Campanella ou os utopistas de Morus; formam um povo recente, que não pode trepar de um salto ao cume das nações seculares. Nem o tempo é operário que ceda a outro a lima ou o alvião; ele fará mais e melhor do que as teorias do papel, válidas no papel e mancas na prática. O que posso afirmar-vos é que, não obstante as incertezas da idade, eles caminham, dispondo de algumas virtudes, que presumo essenciais à duração de um Estado. Uma delas, como já disse, é a perseverança, uma longa paciência de Penélope, segundo vou mostrar-vos. Com efeito, desde que compreenderam que no ato eleitoral estava a base da vida pública, trataram de o exercer com a maior atenção."

É tão incrível a capacidade de ser atual desse trecho, principalmente quando se refere a comparação de povo recente aos solários de Campanella ou utopistas de Morus.

Vivemos atualmente um ódio cego e hipócrita, e seletivo na democracia brasileira atual.
Me preocupa muito o rumo que o Brasil pode tomar se um pedido de impeachment da Presidente Dilma Roussef sem nenhuma base legal for aceito.

As vezes de uma crise profunda se constroem maiores mudanças e revoluções, e esta é a minha esperança para que o Brasil realmente mude e melhore profundamente em sua base estrutural.

O que nos resta é aguardar o que irá suceder, e como sempre ir pras ruas para garantir uma sociedade mais justa e igualitária para nós brasileiros.

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