Lendo o conto de Machado de Assis em A Sereníssima República que foi escrito no minimo dois séculos atrás, começo a perceber que nada mudou muito em relação a política no Brasil.
É impressionante e até triste a atualidade de um conto de Machado de Assis sobre política e como isso se reflete tão bem nos dias atuais.
Vou citar alguns trechos que considerei maravilhosos:
"Dentro de um mês tinha comigo vinte aranhas; no mês seguinte cinqüenta e cinco; em
março de 1877 contava quatrocentas e noventa.
Duas forças serviram principalmente à
empresa de as congregar: - o emprego da língua delas, desde que pude discerni-la um
pouco, e o sentimento de terror que lhes infundi.
A minha estatura, as vestes talares, o uso
do mesmo idioma, fizeram-lhes crer que era eu o deus das aranhas, e desde então adoraram-me.
E vede o benefício desta ilusão.
Como as acompanhasse com muita atenção e miudeza,
lançando em um livro as observações que fazia, cuidaram que o livro era o registro dos seus
pecados, e fortaleceram-se ainda mais na prática das virtudes. A flauta também foi um
grande auxiliar. Como sabeis, ou deveis saber, elas são doidas por música.
Não bastava associá-las; era preciso, dar-lhes um governo idôneo. Hesitei na escolha;
muitos dos atuais pareciam-me bons, alguns excelentes, mas todos tinham contra si o
existirem. Explico-me. Uma forma vigente de governo ficava exposta a comparações que
poderiam amesquinhá-la. Era-me preciso, ou achar uma forma nova, ou restaurar alguma
outra abandonada. Naturalmente adotei o segundo alvitre, e nada me pareceu mais acertado
do que uma república, à maneira de Veneza, o mesmo molde, e até o mesmo epíteto.
Obsoleto, sem nenhuma analogia, em suas feições gerais, com qualquer outro governo vivo,
cabia-lhe ainda a vantagem de um mecanismo complicado, - o que era meter à prova as
aptidões políticas da jovem sociedade.
Outro motivo determinou a minha escolha. Entre os diferentes modos eleitorais da antiga
Veneza, figurava o do saco e bolas, iniciação dos filhos da nobreza no serviço do Estado.
Metiam-se as bolas com os nomes dos candidatos no saco, e extraía-se anualmente um
certo número, ficando os eleitos desde logo aptos para as carreiras públicas. Este sistema
fará rir aos doutores do sufrágio; a mim não. Ele exclui os desvarios da paixão, os desazos
da inépcia, o congresso da corrupção e da cobiça. Mas não foi só por isso que o aceitei;
tratando-se de um povo tão exímio na fiação de suas teias, o uso do saco eleitoral era de
fácil adaptação, quase uma planta indígena.
A proposta foi aceita. Sereníssima República pareceu-lhes um título magnífico, roçagante,
expansivo, próprio a engrandecer a obra popular.
Não direi, senhores, que a obra chegou à perfeição, nem que lá chegue tão cedo. Os meus
pupilos não são os solários de Campanella ou os utopistas de Morus; formam um povo
recente, que não pode trepar de um salto ao cume das nações seculares. Nem o tempo é
operário que ceda a outro a lima ou o alvião; ele fará mais e melhor do que as teorias do
papel, válidas no papel e mancas na prática. O que posso afirmar-vos é que, não obstante as
incertezas da idade, eles caminham, dispondo de algumas virtudes, que presumo essenciais
à duração de um Estado. Uma delas, como já disse, é a perseverança, uma longa paciência
de Penélope, segundo vou mostrar-vos.
Com efeito, desde que compreenderam que no ato eleitoral estava a base da vida pública,
trataram de o exercer com a maior atenção."
É tão incrível a capacidade de ser atual desse trecho, principalmente quando se refere a comparação de povo recente aos solários de Campanella ou utopistas de Morus.
Vivemos atualmente um ódio cego e hipócrita, e seletivo na democracia brasileira atual.
Me preocupa muito o rumo que o Brasil pode tomar se um pedido de impeachment da Presidente Dilma Roussef sem nenhuma base legal for aceito.
As vezes de uma crise profunda se constroem maiores mudanças e revoluções, e esta é a minha esperança para que o Brasil realmente mude e melhore profundamente em sua base estrutural.
O que nos resta é aguardar o que irá suceder, e como sempre ir pras ruas para garantir uma sociedade mais justa e igualitária para nós brasileiros.
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